O Sistema Brasileiro de Televisão, canal criado em 1981 por Silvio Santos (com uma ajudona do governo militar, diga-se), chegou a ter por uns tempos um selo SBT Discos, que lançou algumas trilhas de novela da emissora. Quase sempre não foi assim: o canal emprestava a sigla “SBT” para lançamentos dos mais diversos feitos por outras gravadoras, tipo Fermata, RGE, PolyGram ou RCA. Às vezes nem sequer havia um disco: o canal colocava uma vinheta no final dos capítulos das novelas avisando: “a música tal, da abertura desta novela, pode ser encontrada no disco tal, da gravadora tal”. E mal se gastava dinheiro com capa, foto e prensagem.
Os discos do SBT pareciam um negócio quase tão interessante quanto o das trilhas lançadas pela Som Livre para a Rede Globo: a gravadora entrava com os fonogramas, lançava um álbum (numa época em que discos vendiam), quem acompanhava os dramalhões do canal ia na loja comprar o disco e, beleza, tudo certo. Analisando hoje, são lançamentos BEM mais populares do que os discos de novela da Globo, feitos basicamente para consumo rápido, vendas bem rápidas e alcance popular imenso.
Fizemos uma listinha bem rápida, para consumo rápido (e, esperamos, alcance popular imenso) para lembrar alguns dos discos lançados com a marca do SBT, emprestada ou não. Com tudo de bom e de péssimo atribuído ao “patrão”, a gente prefere lembrar que ele ajudou a engordar as discotecas de muita gente. Leia e ouça.
“OS RICOS TAMBÉM CHORAM – TRILHA SONORA” (SBT, 1982). Produzido pelo canal mexicano Televisa entre 1979 e 1980, esse dramalhão (que ganharia uma versão verde-e-amarela feita pelo próprio SBT umas décadas depois) foi exibido no Brasil entre 1982 e 1983. O SBT comprou a novela, importou a estrela mexicana Veronica Castro para aparecer em diversos programas e a trama fez sucesso. O inusitado é que rolou uma “trilha sonora nacional” cheia de sucessos populares brasileiros, incluindo Gilliard (Não está sozinho quem tem deus do lado), Moacyr Franco (Pedágio), Amado Batista (Nossa casinha) e o tema de abertura com Sarah Regina (Felina).
“BOZO” (SBT Zig Zag/RCA, 1982). A estreia da versão brasileira do palhaço norte-americano em disco tinha O calhambeque (Roberto Carlos) e Pega na mentira (Erasmo), tudo na voz do personagem. E tinha também uma versão em português de Ob-la-di-ob-la-da, dos Beatles (Brincadeiras de criança), além de uma canção que tinha como um dos autores o próprio Silvio Santos (Narizinho, que observava que: “Criança que gosta do Bozo/é feliz feliz/criança que gosta do Bozo/sabe onde tem o nariz”). Vendeu horrores e fez muitas crianças estragarem as capas dos discos – por causa de um “passaporte da alegria” que levava crianças ao Playcenter, e que tinha que ser recortado da capa.
“SUCESSOS DE ‘O POVO NA TV’, VOL.1” (SBT/Copacabana, 1982). Além de dramalhões, curandeirismo e reportagens extremamente sensacionalistas, o O povo na TV, resenha popularesca exibida diariamente pelo canal, também apresentava um monte de gente lançando disco. Se programas como o Fantástico ou o Globo Repórter não lançavam discos, problema deles: o SBT reuniu fonogramas da gravadora Copacabana e lançou um disco do Povo em 1982. Um LP que animou muitas festas: tinha Gretchen (Mambo mambo mambo), Nahim (a inacreditável Melô do tacka-tacka), Wagner Montes tentando virar cantor (com a ameaçadora Me use, abuse) e até o hit monumental Fuscão preto, com Almir Rogério.
“BRASIL, CIDADE E CAMPO” – DOM E RAVEL (SBT/Copacabana, 1982). Marcando um pontinho básico para o cancelamento do patrão, e para a ligação dele com ditadores, militares e donos do poder em geral, o SBT deu uma força daquelas para o retorno da dupla Dom & Ravel, dez anos depois do sucesso com canções ufanistas como Eu te amo, meu Brasil. No LP Brasil, cidade e campo, o terceiro da carreira da dupla, os irmãos voltavam ancorados na música sertaneja, com releituras de Tristeza do Jeca, Rio de Piracicaba e O menino da porteira. Mas o que fez sucesso de verdade (e tocou em programas como O povo na TV) foi a religiosa e pegajosa Canção da fraternidade.
“O DIREITO DE NASCER” (SBT/Philips, 1983). Drama que rolou em versões brasileiras na TV Tupi duas vezes (a original em 1964 e o remake de 1979), essa novela do cubano Felix Caignet ganhou uma versão da Televisa em 1981 – com (adivinhe) a mesma Veronica Castro no elenco. Inesperado: dessa vez o SBT meteu-se numa parceria com a PolyGram e fez uma trilha sonora adulta-contemporânea, com músicas de Eduardo Dussek (Rock da cachorra), Gal Costa (Luz do sol), Roupa Nova (Sensual), Fátima Guedes (Blue note), Erasmo Carlos (Mesmo que seja eu) e Boca Livre (Panis et circensis), além do tema de abertura epônimo com Jerry Adriani.
“A PONTE DO AMOR” (SBT/RCA, 1983). A novela mexicana Puente de amor ganhou uma versão brasileira feita pelo dramaturgo mineiro Aziz Bajur. Selma Egrei e Fabio Cardoso estão entre os protagonistas e a trama fala de um escritor envolvido numa espécie de quadrado amoroso, que inclui duas mulheres misteriosas. O EP com a trilha da novela tinha, pode acreditar, Gang 90 & Absurdettes (Noite e dia), lado a lado com Dudu França (Está escrito no ar).
“GRANDES INTÉRPRETES” – CARLOS GALHARDO, SILVIO CALDAS, NELSON GONÇALVES (SBT/RCA, 1984). Trazendo um punhado de clássicos dos três veteraníssimos cantores (todos vivos naquele ano – Galhardo seria o primeiro a partir para aquele grande espetáculo no céu, em 1985), esse disco recolocava nas lojas hits da pré-história da MPB, numa época em que (duh) não havia plataformas digitais para as pessoas recordarem músicas. E, de quebra, fazia o SBT aderir a uma velha mania do mercado fonográfico: coletâneas e relançamentos com capas trazendo ilustrações de gosto duvidoso.
“VOVÓ MAFALDA” (SBT/Copacabana, 1985). Se deu certo com o Bozo, por que não daria certo com a Vovó Mafalda? Personagem do programa, interpretado pelo produtor do SBT Valentino Guzzo (que já havia tentado a sorte como cantor em 1980, com o inacreditável single Sanduíche pra viagem), a Vovó se lançou em disco em 1985, a bordo de clássicos como 1, 2, 3 (Cante comigo) e O sorvete da vovó.
“MIAMI VICE – TRILHA SONORA” (SBT/Warner, 1986). Muita sigla na história: SBT, MCA e WEA (nome internacional da Warner por aqueles tempos) uniram-se para colocar nas lojas no Brasil a trilha da série Miami Vice, que fazia sucesso no canal durante os anos 1980. Boa parte do disco é dominada pelos temas do maestro e trilheiro Jon Hammer, mas tinha também Phil Collins (In the air tonight), Glenn Frey (Smuggler’s blues), Chaka Khan (Own the night), Tina Turner (Better be good to me).
“MEGA HITS 2, 3 e 4” (SBT/EMI, 1988/1989/1990). Até o SBT teve seu Summer Eletrohits, só que em parceria com a EMI. A série Mega hits durou sete discos, mas três deles saíram lado a lado com a emissora, trazendo hits de Morrissey (Suedehead), Roxette (It must have been love), Pet Shop Boys (Always on my mind), Sinead O’Connor (Nothing compares 2U), David Bowie (Let’s dance), Human League (Heart like a wheel) e outros.
“GUGU” (SBT/Halloween Discos, 1994). Até onde se sabe, a capa desse disco do apresentador Augusto Liberato, lançado também em CD, é um estereograma. O repertório traz sucessos associados à história de Gugu e de seu programa Viva a noite, como Pintinho amarelinho, A dança dos passarinhos e Docinho, docinho. Além de músicas aleatórias e/ou ligadas a programas posteriores, como Bota talquinho, A barata mentirosa, Pega o meu peru e Táxi do Gugu. Uma parceria do SBT com o misterioso selo Halloween Discos.
“AS PUPILAS DO SENHOR REITOR/ÉRAMOS SEIS” (SBT/Velas, 1995). Para quê gastar se a gente pode economizar? Mesmo ganhando prestígio e fazendo sucesso com dois remakes televisivos, o SBT fez parceria com o selo Velas (de Ivan Lins e Victor Martins) e mandou fazer um único CD para as duas novelas. Quem comprou, não se arrependeu: o disco tinha pérolas da MPB (de Chico Buarque, Elis Regina, Vania Bastos, Ivan Lins, Tom Jobim) unidas a canções portuguesas (por causa de As pupilas). Digamos que nem mesmo quando conseguia agir um pouco igual à Globo, a emissora de Silvio deixava de ter a sua própria cara.